Frequentemente vemos a televisão a criticar abertamente os videojogos pela sua violência, sexo e drogas, afirmando que estes são imorais e anti-sociais.
O primeiro ponto a referir sobre esta afirmação é que generaliza todos os jogos dentro de uma categoria, a dos jogos para adultos. Apesar de existirem muitos jogos de sucesso, que não têm violência, drogas ou sexo, frequentemente vemos esta generalização a ser usada como forma de atacar toda a industria e os jogadores. Como será óbvio isto é um erro de raciocino lógico, pois afirma a parte como sendo o todo, atribuindo características a um conjunto, que não possui essas mesmas características. Por outro lado, o grupo de jogos que tem essas características são feitos por adultos, para adultos e são classificados e marcados para adultos. Temas como a violência, sexo e drogas são em si temas adultos e que encontramos na realidade com certa frequência, por isso fingir que não existem, seja na música, nos filmes ou nos videojogos é negar a realidade, sendo assim um ato de negação do real e abstração do individuo no universo que o rodeia.
Este é o ponto mais criticado pela televisão em relação aos videojogos, sendo feita uma caracterização destes como simuladores de morte, como instigadores de violência e criadores de psicopatas. O motivo, pelo qual é feita esta ligação é simples, alguns assassinos também jogavam videojogos. No entanto, este argumento começa logo com 2 problemas de simples análise empírica. O primeiro é que a maioria dos criminosos violentos e assassinos não jogam videojogos. Apesar de isto não ilibar imediatamente os videojogos da suposição de que estes criam criminosos, mostra que existem outros factores mais determinantes na criação de mentes criminosas. O segundo ponto é mais direto e a sua constatação é simples de realizar e de enorme magnitude empírica. Existem dezenas de milhões de jogadores de videojogos, violentos e não violentos, pessoas de todas as classes sociais, ambos os sexos, de todas as raças e religiões, tanto estudantes como trabalhadores com responsabilidades sociais, profissionais e económicas, com famílias e amigos. Destes milhões de pessoas, a grande maioria são pessoas responsáveis, civilizadas, que contribuem para a sociedade de forma positiva e que nunca cometeram um crime. No entanto, apenas porque uma pessoa que joga videojogos, comete um crime, temos logo a televisão a afirmar que todos os jogadores são criminosos, ou pelo menos criminosos em potencia. Mais uma vez é feita uma generalização do particular para o todo, atribuindo um crime a todo um conjunto de pessoas que escolhem todos os dias serem boas pessoas. Talvez seja difícil de perceber para certas pessoas, mas o crime de um individuo não é o crime de um grupo de pessoas que partilham uma semelhança, especialmente quando essa semelhança é tão efémera como um passatempo.
Ainda recentemente vimos a TVI numa entrevista a afirmar que Anders Behring Breivik teria feito o atentado na Noruega porque jogava videojogos, colocando de parte que ele é um fundamentalista cristão, de extrema direita, que cometeu um ataque num evento politico de esquerda. Ou seja, ignora os motivos reais e demasiado óbvios para a execução do atentado, apenas para tentar denegrir os videojogos.
O ponto da hipocrisia da televisão chega quando verificamos o tipo de coisas que passam nos mesmos telejornais que criticam abertamente os videojogos e os jogadores.
Nos videojogos a violência é falsa e frequentemente estilizada, para se enquadrar dentro do jogo e do seu universo. Não é raro encontrarmos casos onde a violência é usada como forma de reforçar um ponto de argumentação narrativa. Um bom exemplo disto é a violência gráfica de um jogo como Spec Ops The Line, onde esta é mostrada ao jogador para o fazer sentir desconfortável, aumentando o poder narrativo e o impacto emocional. Seja no cinema ou em pintura, este tipo de imagens são usadas para transmitir uma mensagem poderosa. Imaginem lá que a primeira guerra mundial criou uma onde artística à volta disto, a violência da guerra, com descrições gráficas de violência, mutilações, sangue e sofrimento. No entanto, não o fez como apologia à guerra, mas sim como forma de denunciar os horrores da guerra.
Por outro lado, na televisão, nos telejornais, a violência apresentada é real, o sofrimento é de pessoas verdadeiras, o sangue é de seres humanos e tudo isto é vendido a toda a hora, aos espectadores.
Sejam as pessoas a caírem do World Trade Center, os corpos mutilados das vitimas dos atentados de Madrid, o sangue das espectadores da maratona de Boston, os cadáveres dos trabalhadores da fabrica do Bangladesh, os corpos em convulsão por causa do gás sarine na Síria e muitos mais casos destes, são exibidos pelas televisões. E não interessa a hora, pois as televisões não se coíbem de mostrar estas imagens de violência real em horários em que crianças possam estar a ver. Mesmo o aviso que é costumário fazer, precede estas imagens apenas por alguns segundos, frequentemente não dando tempo aos pais ou professores de mudarem o canal e esqueçam isto se estiverem num restaurante, pois nesse caso ninguém está a verificar e controlar o que vai passar no televisor.
Talvez mais preocupante é a atenção dada à violência em detrimento de outros elementos mais importantes da noticia. Não é raro vermos estas imagens a serem mostradas, com reforço de zooms, círculos e setas vermelhas e câmara lenta, para apanhar e demonstrar melhor a violência aos espectadores, sendo repetidas ad nauseum, até à insensibilidade do espectador ou talvez até à satisfação sadística do jornalista ou editor.
Uma situação curiosa é o foco jornalístico sobre a violência tal, que frequentemente significa que o resto da noticia nem sequer é tratada, ou se o é, será feito de forma superficial.
Neste 2 momento temos 2 casos que são paradigmáticos desta situação, demonstrativa da incompetência latente dos jornalistas da televisão. Um deles é o caso da revolução social no Brasil, sendo este um momento importante na história deste país, comparável ao Maio de 68 na Europa, onde milhões de pessoas exigem mais do seu governo e dos seus políticos. Milhões de pessoas vão para as ruas, exigindo de forma pacifica mudanças politicas e sociais profundas, no entanto, a maior parte da atenção das televisões é dada a um grupo de uma centena de arruaceiro que lutam, pilham e destroem. Enquanto milhões de pessoas estão a fazer história, a mudar um país, as televisões viram as câmaras focam-se na violência de uma centena. As pessoas que supostamente deviam informar, ignoram quase completamente, a história que está a ser feita debaixo dos seus narizes.
Outro caso é o da revolução do Egito, uma revolução extremamente complexa com vários grupos em conflito, por motivos dispares e com algumas mudanças de posição que deviam ser contadas e explicadas cuidadosamente. No entanto, as televisões limitam-se a mostrar a violência e enunciar o nome de quem a cometeu e quem a recebeu. Caso o espectador queira saber as motivações de cada grupo e como se relaciona com os restantes, este precisa de ir a outro lado, como à Internet, para procurar e encontrar essa informação explicada de forma factual. Mais uma vez, a história está a ser feita, enquanto que as televisões se limitam a contar cadáveres e filmar poças de sangue e membros mutilados.
No entanto as televisões não se limitam a glorificar o sangue e sofrimento de pessoas, mas também tornam os criminosos em estrelas televisivas, sendo-lhes dado muito mais tempo de antena do que ás suas vitimas. Claro que as televisões não colocam criminosos como heróis, pois não são assim tão perniciosas, mas dão-lhes os 15 minutos de fama e muito mais. As suas vidas, as suas caras, os seus ideias, os seus motivos são mostrados e discutidos pelas televisões e assim colocados num pedestal para todos apreciarem, enquanto que as vitimas servem apenas para poderem mostrar a quota parte de sangue e cadáveres. Frequentemente ninguém sabe o nome das vitimas destes criminosos, nem as suas caras, mas toda a gente sabe os nomes de vários criminosos e as suas caras, pois são estes que merecem a atenção das televisões.
Um criminoso como o James Eagan Holmes, ao cometer o atendado no cinema em Aurora, Colorado, pretendia tornar-se numa estrela equiparado ao Joquer e foi exatamente isso que as televisões lhe deram. O Anders Behring Breivik, queria atenção para os seus ideais fundamentalistas cristãos de extrema direita e foi exatamente isso que as televisões lhe deram, pelo menos até às autoridades terem decidido não o fazer. A escolha da imagem que inicia este artigo não é aleatória, pois mostra a cara de satisfação deste psicopata por receber toda a atenção das televisões. O próximo psicopata que decidir cometer uma atrocidade para se tornar famoso, sabe que tem nas televisões mundiais um forte aliado capaz de satisfazer o seu desejo de fama.
Como podem as televisões apontar o dedo a uma forma de entretenimento, como os videojogos, ou ao cinema, por estes terem violência, quando estas baseiam o seu negocio na venda de sangue e sofrimento de pessoas reais? Como podem as televisões afirmarem que os videojogos fazem a apologia à violência, quando estas criam estrelas mundiais com criminosos?
A resposta já muitas pessoas sabem, as televisões não informam, vendem e acreditam fortemente que um dos seus melhores produtos para vender é violência real, com sofrimento e com consequências.
Postado por

Alexandre Vieira
Apaixonado pelo mundo dos videojogos e principalmente Jrpgs e fã da serie Final Fantasy.